HEITOR, O BEIJA-FLOR E O
SONHO
Nino Bellieny
Desde menino olhando mais o céu do que o chão, parecia
flutuar e não caminhar como todos os meninos nascem para fazer: correr, rodar pião, jogar
bola e baleba. Ele, não. Gostava
mesmo era das coisas do ar, dos passarinhos,
das folhas soltas bailando das árvores ao gramado e principalmente, de aviões.
Ah, os aviões! Grandes sonhos de metal passando pelo quintal da casa, sob a
rota da base aérea ali perto. Dizia para a mãe: “ Um dia eu vou voar” e ela
sorrindo, respondia: “ deixa disso menino, voar é para as águias.” . Talvez o
coração de mãe já adivinhasse o destino do filho. Voar muito,
voar além da imaginação, feito as águias poderosas riscando o azul.
Ele nascera para ir acima das nuvens. Estava escrito no leme
de algum aeroplano, nas hélices de um helicóptero, nas turbinas de um jato. Estudou e
trabalhou, trabalhou e estudou, horas sem dormir, não dormindo, mas, sonhando,
sonhando, mas, trabalhando e pondo os olhos aonde poucos miram.
Aquele ponto invisível onde começa a Linha do Horizonte e termina a Linha do
Impossível.
O tempo, esta outra máquina voadora, levou-lhe aos lugares mais distantes do país e
em cada avião viajado, um pedacinho de antiga vontade ia sendo alimentado.
Ainda teria o seu avião. Pilotado por ele. Ele, o menino voador, de verdade. Real
e confiante.
Uma tarde qualquer, destas de chuva e vento, ao entrar em um
prédio, encontrou um beija-flor, caído, tonto por ter batido de frente com uma
vidraça. Pegou o bichinho com carinho, soprou-lhe palavras secretas,
reanimou-lhe e o colocou no beiral, deixando pronto para, de novo, voar.
Continuou seu caminho e passos adiante, olhou para trás. O beija-flor, ainda
meio zonzo, também olhava para ele, o pescocinho curvado, curioso e agradecido,
um imagem sagrada e bela na zoeira da
cidade grande. Comoveu-se, riu sozinho e guardou no álbum da memória a imagem
da gratidão.
Pouco tempo depois, o
desejo também guardado por anos e anos tornou-se real.
Conseguira seu brevê. Depois de longas aulas de pilotagem
profissional, poderia finalmente voar pelas próprias asas, cortar a imensidão,
furar as nuvens de algodão–doce e ir aonde quisesse!
Agora, lá no mais alto dos sonhos de menino, à cada voo, um companheiro não o abandona , ainda que
somente dentro da lembrança. O beija-flor agradecido. Depois dele, voar,
finalmente tornara-se possível. E o homem feito, de novo fazia-se menino.