terça-feira, 2 de abril de 2013

CLÁUDIO CHEQUER EM MAIS UM ARTIGO

Nino Bellieny

Mais um artigo do Prof. Cláudio Chequer, na prestigiada revista Carta Forense



CONSTITUCIONAL

A desapropriação para fins de reforma agrária e o princípio da proporcionalidade

CLÁUDIO CHEQUER

A Constituição da República, em seu art. 184, prevê a desapropriação para fins de reforma agrária para o imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária.

Em seu art. 185, a CF/88 estabelece ainda que são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e média propriedade rural e a propriedade produtiva.

A partir de uma interpretação sistemática desses dois dispositivos constitucionais, grande parte de nossa doutrina tem sustentado que somente poderá ser desapropriada para fins de reforma agrária, no Brasil, a grande propriedade rural improdutiva e que não cumpre a sua função social.

Assim, para esses autores, entre eles os constitucionalistas José Afonso da Silva, Ives Gandra Martins e Fábio de Oliveira Luchési, se a grande propriedade rural é produtiva, mas não cumpre sua função social, a única saída é induzir seus proprietários, sob pena de sanção, a fazer a grande propriedade rural cumprir sua função social. Para os que entendem dessa forma, a propriedade produtiva atende à primeira e fundamental função social de qualquer propriedade rural: produzir frutos, fato que a afasta da desapropriação para fins de reforma agrária, não havendo, assim, conflito real entre a redação dos artigos 184, 185 e 186 de nossa CF.

Outros autores, entretanto, apesar de afirmarem que a leitura feita acima realmente é a que melhor se adequa ao texto constitucional, entendem que, na verdade, existiria um conflito aparente entre os dispositivos constitucionais citados, conflito este que a própria Constituição resolveu ao dar prioridade ao aspecto econômico do imóvel rural, de forma que a propriedade avaliada como produtiva, embora descumpra os requisitos estabelecidos no art. 186, ainda assim não pode ser objeto de desapropriação.

Essa premissa interpretativa – grande propriedade rural produtiva que não cumpre sua função social não pode ser objeto de desapropriação para fins de reforma agrária –, não é única vertente que pode ser extraída do texto constitucional.

Importantes doutrinadores, entre eles Gustavo Tepedino, têm afirmado em sentido contrário. A produtividade do imóvel, afirma o civilista em destaque, não pode ser interpretada isoladamente, tornando-se necessário que essa característica do imóvel seja permeada pelos demais preceitos constitucionais, sob pena de aniquilar-se a técnica constitucional da fixação de princípios.

Para André Osório Godinho, autor que segue a mesma linha interpretativa de Gustavo Tepedino, é difícil acreditar que a propriedade produtiva, cuja produção, por exemplo, esteja baseada no trabalho escravo infantil ou na devastação do meio ambiente, somente possa ser desapropriada mediante prévia e justa indenização em dinheiro.

Nos tribunais, o assunto também não é pacífico. Parece-nos predominar o entendimento no sentido de que a propriedade produtiva não pode realmente ser objeto de desapropriação. Veja-se a respeito importante decisão do Tribunal Regional da 4ª  Região neste sentido (AC 96.04.19778-9 – PR – 4ª T. – Rel. Juiz Edgard A. Lippmann Júnior – DJU 25.07.2001, p. 424).

A premissa interpretativa de Gustavo Tepedino realmente é a que mais se encaixa no texto constitucional. Nossa Constituição estabelece, em seu Preâmbulo, a igualdade e a justiça como valores supremos, fixando, entre os seus princípios fundamentais estabelecidos no art. 1°, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, não nos parecendo, assim, que seja possível acreditar que uma grande propriedade rural que produz à custa de trabalho infantil, da não observância dos direitos trabalhistas de seus empregados e da degradação do meio ambiente possa estar inserida fora da possibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária.

A dificuldade de interpretar os dispositivos constitucionais mencionados acima, apesar de grande, não é a única existente na tratativa do tema. Outras dificuldades existem e precisam ser superadas para o bem entendimento a respeito da matéria.

A título de exemplo, veja-se a redação do art. 6° da Lei n° 8.629/93, dispositivo legal que afirma que para que uma propriedade rural seja considerada produtiva ela deve atingir simultaneamente Graus de Utilização da Terra (GUT) igual ou superior a 80% e Graus de Eficiência da Exploração (GEE) igual ou superior a 100%.

Apesar de o Supremo Tribunal Federal já ter reconhecido que esse dispositivo legal, em abstrato, não é inconstitucional (RT 756/148), não nos parece possível que se possa aplicá-lo, automaticamente, a todos os casos concretos, em um raciocínio de mera subsunção, para aferir a produtividade ou improdutividade do imóvel rural. A intervenção do Estado em um direito fundamental exige fundamentos concretos, capazes de demonstrar, em casos difíceis, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito da intervenção.

Não se pode admitir que uma propriedade rural que esteja insignificativamente fora dos níveis estabelecidos pelo Poder Executivo seja, automaticamente, considerada como improdutiva e, portanto, sujeita à desapropriação para fins de reforma agrária (que é uma sanção).

Imaginem o seguinte exemplo: uma grande propriedade rural localizada longe das grandes capitais, portanto, com dificuldade de escoar sua produção, com carência de aplicação de recursos tecnológicos e fomento público, com GUT fixado em 75%  e GEE igual a 90% e que não atinge plenamente, mas apenas em parte, a sua função social. Essa propriedade pode ser desapropriada para fins de reforma agrária ou esta desapropriação seria uma medida (sanção) desproporcional?

A melhor forma de resolver esse caso concreto se materializa através da aplicação do princípio da proporcionalidade, único critério, diante da relatividade dos direitos fundamentais, capaz de definir, de maneira justa, se a medida administrativa ou judicial, embora baseada em normas constitucionais, viola ou não o direito fundamental da propriedade privada.
Dessa forma, o aplicador do direito não deve se contentar com a subsunção ao interpretar e aplicar o art. 6° da Lei n° 8.629/93, mas sim deve utilizar tal dispositivo legal com base no princípio da proporcionalidade, analisando todas as circunstâncias do caso concreto para verificar a incidência ou não da norma.  A aplicação imediata do dispositivo legal em destaque mesmo nos casos difíceis significa valorizar uma máxima que não mais se aplica: a de que o interesse público deve sempre prevalecer sobre o interesse privado.
Conforme ensina o constitucionalista espanhol Juan Carlos Gavara de Cara, o Estado só poderá intervir nos direitos fundamentais do cidadão quando a intervenção seja adequada e necessária para alcançar uma finalidade legítima.

Chequer, alunos do Curso de Direito da Fac Redentor , amigos e o Ministro Luiz Fux.