terça-feira, 23 de abril de 2013

ARTIGO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO II

(Parte II-Continuação do artigo sobre Engenharia de Produção- Final amanhã)

ft-NB



Mário Sacomano NetoI; Edmundo Escrivão FilhoII
IDepartamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, E-mail: pmsn@iris.ufscar.br
IIDepartamento de Engenharia de Produção, Escola de Engenharia de São Carlos – USP, E-mail: edesfi@prod.eesc.sc.usp.br




2. Mudanças Recentes no Ambiente das Organizações
O mundo contemporâneo assiste a um período de grandes transformações sociais, políticas e econômicas em esfera mundial. Essas transformações radicais afetam todos os países do mundo com o fenômeno irreversível da globalização. Atualmente não existe um consenso de interpretação deste fenômeno. Na visão de FONSECA (1997), existem três forças poderosas agindo neste processo: primeiro, a terceira revolução tecnológica com os avanços da transmissão da informação e das inovações da engenharia genética; segundo, a formação de áreas de livre comércio e dos blocos econômicos; terceiro, a crescente interligação e interdependência dos mercados físicos e financeiros em uma escala planetária. Em contrapartida, CHESNAIS (1997, p. 4), um grande estudioso da gênese e dos efeitos da globalização, coloca que "estamos diante de um novo modo de funcionamento sistêmico do capitalismo mundial ou, em outros termos, de uma nova modalidade do regime de acumulação". Difere-se dos outros regimes de acumulação pois sua natureza é essencialmente excludente em relação aos países em desenvolvimento.
Com a consolidação do capitalismo e o crescimento da "sociedade de consumo", as organizações buscam adaptar-se a um novo cenário competitivo. As inovações tecnológicas e as transformações sociais dominam a sociedade atual: mudam profundamente a produção de bens e a vida das pessoas (MOTTA, 1998).
Em decorrência da internacionalização dos mercados, a adaptação organizacional torna-se imperativa para a sobrevivência das empresas neste ambiente competitivo e turbulento, implicando em uma dinâmica complexa e incessante no contexto das mudanças e inovações. Como colocado por HOFFMAN & KAPLINSKY (apud AMATO NETO, 1995), um dos principais mecanismos organizacionais para a melhoria da competitividade é a adequação da estrutura ao foco de atenção da empresa, isto é, aos objetivos que se pretende atingir, buscando a obtenção de vantagens advindas da diferenciação estrutural.
A flexibilidade organizacional que corresponde à capacidade de reação da organização frente aos sobressaltos impostos pelos movimentos de inovação, representa uma das vantagens competitivas na concorrência de mercado. As adaptações das estruturas organizacionais refletem um impacto sensível na forma pela qual o trabalho é organizado (MARX, 1997), onde uma das alternativas a este impacto é a formação das equipes de trabalho. Como colocado por WELLINS et al. (1994), a implantação das equipes de trabalho torna-se uma das peças centrais para a flexibilização do processo produtivo.
Neste sentido, torna-se indispensável uma análise destes aspectos pois exercem influência direta no ambiente das organizações brasileiras que, até recentemente, viviam dentro de uma "redoma de vidro". Assim, desde a abertura dos mercados para a concorrência internacional, as empresas brasileiras, tanto de capital nacional como internacional, têm realizado um esforço significativo para atingir patamares mais competitivos. Este esforço está intimamente ligado aos novos arranjos organizacionais, entre os quais pode-se citar as mudanças na estrutura organizacional e a formação das equipes de trabalho.

3. Apresentação das Empresas
As quatro empresas pesquisadas, todas transnacionais, são referências importantes no que diz respeito ao posicionamento no mercado concorrencial. Abaixo será feita uma caracterização geral de cada uma destas empresas, ressaltando o tipo de mudança estrutural e a ênfase dada à formação das equipes de trabalho.
3.1 Empresa 1
A Empresa 1 é uma unidade produtiva de uma multinacional sueca com sede em Estocolmo, sendo esta a maior fabricante mundial de eletrodomésticos, produzindo 55 milhões de produtos/ano. O grupo é formado por mais de 500 empresas localizadas em 60 diferentes países. A pesquisa foi realizada em uma das unidades deste grupo, situada no interior do Estado de São Paulo, que produz geladeiras, lavadoras e ar condicionado.
Em 1994 a empresa passou de uma estrutura hierárquica com sete níveis para cinco níveis, passou por uma mudança no processo de produção. As linhas organizadas por máquinas (layout funcional) passaram a ser organizadas por produtos (layout celular). Esta mudança foi significativa no que diz respeito à movimentação e armazenagem de material, à multifunção das pessoas em todo o processo produtivo e à descentralização da produção para as unidades de negócios. Já em 1997 a empresa passou de cinco unidades de negócio (lã de vidro, ar condicionado, refrigeração, lavadora, áreas de apoio) para três (apoio, lavadora, refrigeração). Cada uma destas unidades passou a funcionar como minifábrica autônoma. Com esta reestruturação algumas atividades que não pertenciam ao "know-how" da organização foram terceirizadas, tais como compressores, motores, termostato, estamparia, entre outros.
3.2 Empresa 2
A Empresa 2 pertence a um Grupo multinacional alemão que iniciou suas atividades no Brasil em 1953, no bairro do Ipiranga na cidade de São Paulo que começou montando automóveis com peças importadas da Alemanha. Ao longo destes anos até os dias atuais este Grupo conquistou grande representatividade no mercado de automóveis. A pesquisa foi realizada em uma das unidades produtivas do Grupo situada no interior de São Paulo.
Até 1995 este Grupo Empresarial comprava motores de uma fornecedora, e por uma decisão estratégica passou a produzi-los, para obter ganhos financeiros e um produto tecnologicamente avançado. Desta forma, as estratégias globais da empresa apontaram para a necessidade de uma nova fábrica de motores, que foi implantada em uma cidade no interior do Estado de São Paulo. Assim considera-se a mudança estrutural, em um nível corporativo, o fato do Grupo criar mais uma unidade empresarial para a produção dos motores, buscando a obtenção de vantagens estratégicas da corporação brasileira frente aos mercados competitivos. Desta forma o Grupo Empresarial passaria a integralizar mais uma atividade aos seus processos, a produção dos motores, em uma nova planta, onde foi realizada a pesquisa.
A concepção desta nova estrutura é extremamente enxuta, isto é, só agrega departamentos que estejam diretamente ligados à montagem dos motores. Terceirizou-se grande parte das atividades que não agregam valor ao produto, tais como, o fornecimento de matéria-prima (consolidador), limpeza, restaurante, segurança, transporte interno, entre outras atividades. A principal ênfase é no processo de produção que é suportado por um alto aparato tecnológico. A nova concepção estrutural instituiu na organização a utilização das células de produção, que é composta por profissionais técnicos de apoio que suportam as equipes de trabalho inseridas dentro das células de produção.
3.3 Empresa 3
A Empresa 3 pertence a uma multinacional norte-americana que desenvolveu seu primeiro produto em 1880, nos Estados Unidos. A companhia brasileira, é dividida em três unidades de negócios: Customer, Profissionais, Pharmac. Esta pesquisa foi realizada na unidade Pharmac que produz medicamentos líquidos e sólidos.
Em 1995 esta unidade passou por uma série de adaptações em função do delineamento das novas estratégias da empresa no Brasil. Realizou uma mudança estrutural, partindo de uma departamentalização funcional para uma estrutura por processos, a qual considera a empresa em três grandes processos: manufatura, mercado/vendas e assessorias de apoio. O principal objetivo desta mudança foi a busca de maiores níveis de integração da organização, ou seja, superar a estrutura estanque em departamentos independentes. Esta transformação estrutural deu-se de modo diferente de muitas organizações, pois não foi acompanhada por um enxugamento do quadro de funcionários; pelo contrário, aumentou significativamente o número de funcionários (estagiários, vendedores e operacionais). Desta forma, a mudança estrutural não teve grandes resistências na organização, pois as pessoas novas já iniciaram suas atividades inseridas naturalmente em uma nova estrutura com os perfis já direcionados. Fato idêntico aconteceu na Empresa 2. Assim o processo de adaptação das pessoas foi minimizado, pois os novos funcionários já se incorporam em uma nova cultura. A utilização das equipes de trabalho tornou-se um facilitador para a flexibilização do processo produtivo.
3.4 Empresa 4
A Empresa 4 compõe um Grupo multinacional italiano, que começou suas atividades em 1919 na Itália, sempre fornecendo produtos para a indústria automobilística que a suportou no seu desenvolvimento e evolução. A empresa opera em nível mundial com fábricas na Europa, Ásia, África e América. A unidade de negócio onde foi desenvolvida a pesquisa é a divisão de sistemas elétricos situada em uma cidade do interior do Estado de São Paulo. Esta unidade é responsável pelo desenvolvimento de componentes automobilísticos (velocímetro) e montagem – quadros de bordo, alarmes antifurtos e power train (eletrônica).
Em 1996 a empresa passou por uma mudança na estrutura organizacional. A estrutura antes da mudança era departamentalizada funcionalmente, ou seja, as áreas de logística, engenharia, qualidade, engenharia de produto e tempos e métodos compunham departamentos. A linha de produção era única, exigindo grandes movimentos operacionais na mudança de produtos, restringindo a flexibilidade do sistema. Outras desvantagens deste tipo de layout de produção para esta empresa eram: dificuldades de detectar problemas, gargalos na produção, setups elevados, dificuldades quanto ao controle de qualidade, entre outras. Estes aspectos exerceram pressão para a empresa buscar outras soluções no delineamento da estrutura organizacional. O arranjo matricial foi a solução encontrada onde o ponto fundamental da mudança foi a utilização de equipes de trabalho, em função da grande variedade de atividades produtivas. Nesta estrutura cruzam-se as necessidades dos produtos nas linhas verticais e as habilidades funcionais nas linhas horizontais.

4. Da Estrutura Verticalizada à Formação das Equipes de Trabalho
Este item tem como objetivo fazer um esforço comparativo entre as empresas pesquisadas. Entretanto antes de apresentar os dados da pesquisa torna-se interessante explicitar alguns conceitos trabalhados neste artigo. Considera-se equipe um agrupamento de trabalhadores com diferentes responsabilidades funcionais, com objetivos estabelecidos, certa autonomia decisorial e multifuncionalidade dos postos de trabalho. Abaixo são caracterizadas algumas das equipes encontradas nas empresas pesquisadas:
  • Equipes operacionais – aquelas formadas junto ao processo produtivo e que integram diferentes áreas funcionais (qualidade, manutenção, logística, tecnologia entre outras);
  • Equipes abertas – aquelas formadas conforme a necessidade de um novo projeto;
  • Grupos de trabalho – grupo de trabalhadores que não tem multifuncionalidade dos postos de trabalho e não integram nas células de produção diferentes áreas funcionais. Neste trabalho os grupos de trabalho diferem-se das equipes de trabalho;
  • Células de produção – além do arranjo físico celular, considera-se células de trabalho uma "estrutura" que integra mais de uma equipe de trabalho, compartilhando as mesmas atividades funcionais sob a coordenação de um líder de célula. A Figura 1 ilustra uma célula de trabalho encontrada na Empresa 2.


Tabela 1 ilustra comparativamente alguns dados das empresas pesquisadas, buscando mostrar em quais mercados as mesmas operam, qual o tipo de estrutura, quais as mudanças na estrutura organizacional e quais as equipes mais utilizadas para suportar as mudanças estruturais.


A Empresa 1 trabalha no mercado de linha branca, produzindo geladeiras e lavadoras; sua estrutura organizacional é classificada em linha e assessoria de acordo com MOTTA (1982); a mudança estrutural evidenciou-se com uma desverticalização da empresa e as equipes operacionais estão inseridas nas células de trabalho.
A Empresa 2 trabalha no mercado automobilístico, produzindo motores para carros; a estrutura organizacional é classificada em linha e assessoria de acordo com MOTTA (1982); a mudança estrutural considerada é a implantação de uma nova planta para a produção dos motores e as equipes de trabalho encontradas estão também inseridas dentro das células de trabalho.
A Empresa 3 trabalha no mercado farmacêutico, produzindo medicamentos sólidos e líquidos; a estrutura organizacional é classificada por processos de acordo com KOTTER (apud. MORRIS & BRANDON, 1994); a mudança estrutural abordada é caracterizada por uma expansão estrutural com o crescimento da empresa; além das equipes operacionais existem as equipes abertas que são estabelecidas a partir de um projeto que visa a intervenção em algum problema ou até mesmo a criação de algo novo.
A Empresa 4 trabalha no mercado de autopeças, produzindo painéis, sistemas de segurança, bombas injetoras entre outros; a estrutura organizacional é classificada como matricial de acordo com HAMPTON (1990); a mudança estrutural considerada foi a desverticalização da empresa; as equipes encontradas são: operacionais, qualidade, eficiência e desenvolvimento de novos produtos.
Nos processos de mudança estrutural e de formação das equipes de trabalho esta análise personalizada de cada organização é fundamental para a efetivação e entendimento das mudanças. Esta análise permite a consolidação de um projeto organizacional para a formação das equipes, condizente com as estratégias, tecnologias, estruturas e pessoas. Em complemento a este fato TUSHMAN & O’REILLY III (1996) colocam que a chave do sucesso para um alto desempenho das organizações está na congruência entre os elementos da organização, principalmente entre a estratégia, a estrutura, as pessoas e sua cultura.